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Com novas regras à vista, futuro do salário mínimo fica incerto

Valor do mínimo atual fixado por Bolsonaro expira em abril e deve ser reformulada pelo presidente

Na sua primeira medida econômica enquanto presidente, Jair Bolsonaro (PSL) decidiu fixar o salário mínimo deste ano em R$ 998 – valor que, apesar de levar em conta a fórmula atual de reajuste, ficou abaixo do que havia sido previsto pelo Governo Temer (R$ 1.006).

A medida impactou o rendimento de 48 milhões de brasileiros e deixou, portanto, dúvidas sobre o que se pode esperar do salário mínimo nos próximos quatro anos. É que a atual fórmula de reajuste expira neste ano e deve ser reformulada pelo Governo Bolsonaro. E já há quem acredite que o novo cálculo pode não garantir mais ganho real para o trabalhador, já que Bolsonaro quer reduzir os gastos públicos para poder ajustar as contas do País.

Diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio explicou que a política de valorização do salário mínimo, criada no Governo Lula depois de um acordo com as centrais sindicais, estabelece que a valorização do benefício ocorre sempre em 1º de janeiro. A fórmula de reajuste, porém, deve ser definida a cada quatro anos pelo presidente da República.

Em 2015, por exemplo, Dilma Rousseff assinou uma lei determinando que, entre 2016 e 2019, o reajuste do mínimo corresponderia à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) nos últimos 12 meses mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruno (PIB) do País de dois anos antes. É uma fórmula, portanto, que garante o ganho real ao consumidor porque, além da inflação, oferece o percentual de crescimento da economia brasileira no reajuste. Mas que, agora, pode ser revisada por Bolsonaro.

“Ele deve indicar a política que vai aplicar nos próximos quatro anos. E é provável que o governo proponha uma política que reduza ou talvez interrompa o aumento real do salário mínimo, pois isso já vem sendo ventilado pelos economistas que apoiam o governo”, acredita o diretor técnico do Dieese.

“A maior parte dos benefícios pagos pela previdência tem como piso o salário mínimo. Então, o reajuste impacta diretamente as contas da previdência e deve ser repensado. Por isso, embora seja um referencial importante que deve ser reajustado, é pouco provável que o mínimo tenha ganho real constante”, acrescenta o professor de economia e finanças da Universidade Rural de Pernambuco (UFRPE), Luiz Maia, dizendo que a nova fórmula pode, portanto, entregar apenas a variação de preços.

“No momento que dá um aumento pequeno e extingue o Ministério do Trabalho, o governo demonstra que pode não adotar uma política de valorização do trabalhador. Então, como até já disse Paulo Guedes, pode não haver ganho real no salário mínimo e nos demais reajustes do trabalhador”, concorda o advogado trabalhista Fábio Porto.

Além disso, o próprio Governo Temer deixou como sugestão para Bolsonaro um cálculo desse tipo. É que o reajuste não significa apenas um acréscimo de renda para o trabalhador, mas também um aumento significativo de gastos para a União e os municípios. Afinal, além de nortear o rendimento mensal de categorias como a das domésticas, o salário mínimo serve como base para o pagamento de boa parte benefícios previdenciários e assistencialistas e também para o rendimento de muitos servidores municipais.

“A Constituição impede que se pague menos que um salário mínimo como aposentadoria e como benefício assistencial. Por isso, um aumento de R$ 1 no mínimo tem um impacto de pelo menos R$ 34 milhões na previdência, já que hoje são 34 milhões de benefícios de aposentadoria, pensão por morte e benefício assistencial no INSS”, explicou o advogado previdenciário Almir Reis. O governo, porém, diz que esse impacto é muito maior.

Segundo a União, R$ 1 de reajuste aumenta em R$ 300 milhões as despesas federais. E a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) afirma que, por terem mais 3 milhões de funcionários com remuneração vinculada ao mínimo, os municípios terão um gasto extra de R$ 2 bilhões só neste ano por conta da elevação do mínimo de R$ 954 para R$ 998. Por isso, esse tema foi abordado com ênfase nos balanços e perspectivas futuras que a equipe econômica de Michel Temer deixou como sugestões para a equipe de Paulo Guedes.

“A vinculação do piso previdenciário ao salário mínimo compromete o equilíbrio atuarial da previdência e traz um elemento complicador para a discussão de alterações do valor do salário mínimo, dado o seu ‘efeito cascata’ sobre a remuneração de aposentados e pensionistas. Atualmente, estima-se que um aumento de 1% no salário mínimo aumente em mais de R$ 2 bilhões as despesas previdenciárias”, afirma o relatório intitulado Panorama Fiscal Brasileiro, que também cita como dificultador do equilíbrio financeiro a vinculação de benefícios assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

“Se por um lado, a política de valorização real do salário mínimo implica em aumento das despesas com os benefícios, por outro não há crescimento da arrecadação, já que os benefícios assistenciais não são contributivos”, argumenta o relatório, que, por isso, sugere uma “alteração do método de correção do salário mínimo, com correção apenas pelo indicador de inflação”. Isto é, uma fórmula de reajuste que cobre apenas a variação de preços, sem oferecer ganho real para o trabalhador.

“Estima-se que a correção destes benefícios apenas pela variação do INPC implicaria em redução das despesas de R$ 0,6 bilhão em 2019, R$ 1,7 bilhão em 2020 e R$ 3,7 bilhões em 2021”, justifica o documento, dizendo que, caso a fórmula atual de reajuste seja mantida, o impacto nas contas públicas será de R$ 39,1 bilhões já em 2022.

Outro relatório deixado para o Governo Bolsonaro, intitulado de Estudo Reformas econômicas em 2016 – 2018 e perspectivas para o próximo mandato presidencial, ainda diz que essa nova política de reajuste pode “evitar que se exclua do mercado formal os trabalhadores menos produtivos”, sugerindo que as empresas e o governo podem não ter condições de arcar com o custo de uma nova série de aumentos superiores à inflação. Por isso, coloca essa proposta no rol de “reformas relevantes em que não houve espaço para avançar e que precisarão ser propostas nos próximos anos”.

Economista e ex-presidente da Confederação Nacional da Economia (Cofecon), José Luiz Pagnussat, por sua vez, reconhece que a equipe econômica comandada pelo ministro da economia de Bolsonaro tem essa posição, devido ao impacto que o reajuste tem nas contas públicas. Porém, acredita que o presidente pode adotar uma posição mais moderada, até porque esta é uma medida impopular que deve ser questionada pela sociedade civil e pelo Congresso Nacional. “Quando era ministro da Fazenda de Dilma, Eduardo Levy também tentou mudar a regra de reajuste, mas o congresso manteve a fórmula”, lembra Pagnussat.

“É um assunto complexo. Então, o debate deve ser acalorado”, reconhece o diretor do Dieese, dizendo que essa discussão deve se estender pelos próximos quatro meses. Afinal, a nova política de reajuste deve ser definida até abril, quando a União tem que apresentar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 ao Congresso Nacional, já com a previsão do salário mínimo do próximo ano.

Valorização do salário elevou poder de compra
A política de valorização do salário mínimo, por outro lado, também contribui e muito com o aumento do poder de compra da população brasileira. Cálculos do Dieese indicam que, desde que foi criada em 2004, essa política já garantiu um aumento de 78% do mínimo. Isto significa que, caso esse acordo não existisse, o salário atual poderia ser de R$ 560 e não R$ 998.

“Se houvesse somente a correção da inflação desde 2004, hoje teríamos um mínimo de R$ 560. Portanto, R$ 438 do salário atual correspondem aos aumentos reais decorrentes da política de valorização do salário mínimo”, revelou o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, lembrando que, naquele ano, o mínimo era de apenas R$ 260.

Ainda segundo Lúcio, esse reajuste corresponde a um incremento de renda anual de R$ 5,7 mil para um trabalhador que ganha apenas um salário. “Considerando os 48 milhões de brasileiros que recebem o mínimo, é uma injeção de R$ 270 bilhões na economia por ano”, acrescenta o diretor do Dieese. E é por isso que, tanto a mudança no reajuste deste ano quanto as dúvidas sobre os próximos aumentos, tem gerado insatisfação no trabalhador brasileiro.

“Deveria ter aumentado mais. Esse valor não é suficiente para as pessoas que vivem de aluguel e pagam suas contas. Então, o aumento deveria beneficiar mais o trabalhador”, reclama o vendedor Ricardo Bonfim. “Se eu for ao mercado com R$ 100, não compro quase nada. Por isso, o aumento deveria ser maior. Deveriam diminuir o salário dos grandes para aumentar o dos trabalhadores”, acrescenta a desempregada Maria Barbosa.

Vendedor Ricardo Bonfim, entretanto, reclama do aumentoVendedor Ricardo Bonfim, entretanto, reclama do aumento – Foto: Jose Britto/Folha de Pernambuco

 

Desvincular benefícios do mínimo no radar
Por conta disso, outra proposta que pode ganhar força nos próximos meses é a desvinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais ao mínimo. É uma medida que tiraria a obrigação do governo de reajustar esses benefícios na mesma proporção do mínimo e pode entrar na proposta da Reforma da Previdência.

“Na proposta original de Michel Temer, a PEC 287 de 2016, previa a desvinculação dos benefícios assistenciais. Mas isso foi retirada na última proposta. Então, se decidir aproveitar essa proposta, o governo terá que fazer uma emenda parlamentar para incluir a desvinculação”, conta o advogado previdenciário Almir Reis, dizendo que o mercado também é a favor dessa ideia.

“Paulo Guedes tem essa ideia, mas não acredito que Bolsonaro vai encampá-la, apesar de essa medida gerar uma economia de recursos públicos que podiam ser gastos em outras áreas. Deve haver uma briga interna. Mas, de toda forma, acho difícil o governo conseguir aprovar isso no Congresso”, opina Reis. Ele explicou que, como a vinculação está prevista na Constituição, o governo precisaria de uma Emenda Constitucional e não somente uma MP para conseguir extingui-la.

Com Folha/PE

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