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Número de policiais mortos cresce em 2020; o de pessoas mortas em confrontos tem ligeira queda no Brasil

Em ano marcado pela pandemia e pelo aumento dos crimes violentos em geral, país registra pequena redução na letalidade policial, muito por causa do Rio de Janeiro, já que houve crescimento de mortes em 17 estados. Número de agentes assassinados tem alta de 10%.

No Brasil, mesmo em plena pandemia,2020 foi um ano marcado pela alta nas mortes de agentes policiais. Foram 198 vidas perdidas, um acréscimo de 10% em relação a 2019. O crescimento ocorre após três anos seguidos de queda nos óbitos de policiais.

O número de pessoas mortas pela polícia, por sua vez, teve ligeira queda (-3%), contrastando com a alta no número de agentes assassinados e de crimes violentos no geral. Ainda assim, é um número alarmante: 5.660 pessoas foram mortas por forças policiais no Brasil. A expressiva baixa de mortes no Rio de Janeiro teve impacto direto na redução nacional, mesmo com o crescimento registrado em 17 unidades da federação.

Os dados sobre vitimização e letalidade policial, inéditos, fazem parte de um levantamento exclusivo feito pelo G1 dentro do Monitor da Violência, uma parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Foram solicitados os casos de “confrontos com civis ou lesões não naturais com intencionalidade” envolvendo policiais na ativa. Os pedidos foram feitos para as secretarias da Segurança Pública dos 26 estados e do Distrito Federal por meio da Lei de Acesso à Informação e das assessorias de imprensa. Apenas Goiás se recusou, mais uma vez, a passar as informações.

Os dados revelam que:

  • o Brasil teve 198 policiais assassinados em serviço e de folga no ano passado – um aumento de 10% em relação a 2019
  • Piauí foi o estado com a maior taxa de policiais mortos (1 a cada mil policiais)
  • Acre, Rio Grande do Sul e Tocantins foram os únicos estados que não registraram nem sequer uma morte de policial no ano passado
  • ao menos 5.660 pessoas foram mortas por policiais em 2020 – uma ligeira queda de 3% em relação a 2019, quando foram registradas 5.829 vítimas (sem contar Goiás em ambos os anos)
  • Rio de Janeiro teve 575 mortes a menos de um ano para o outro, puxando a baixa no país
  • ao todo, 17 estados registraram crescimento nas mortes por forças policiais
  • Amapá foi o estado com a maior taxa de letalidade policial em 2020: 12,8 por 100 mil habitantes
  • Distrito Federal teve a menor taxa: 0,4 a cada 100 mil

“Isso pode acontecer com qualquer um de nós, policiais. Todo dia a gente está expondo a nossa vida em defesa da vida de outros”, afirma Graziela Costa, amiga de Tais e capitã da Polícia Militar. “Ela foi uma profissional fantástica. Entrou como soldado, foi cabo, passou para a escola de sargento. Atuou em várias áreas.”

Os dados mostram que 140 dos 198 policias mortos estavam de folga, ou seja, mais de 70% do total.

Para Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Bruno Paes Manso, do NEV-USP, o crescimento da vitimização policial precisa ser observado com cautela, em especial após os mais de 30 decretos e atos normativos presidenciais publicados desde o ano passado que flexibilizam o controle de armas no Brasil.

“Com o crescimento do número de armas em circulação e a alta no número de licenças expedidas pelos órgãos federais, a tendência é que conflitos banais sejam solucionados na bala. Assim, um policial que atende uma ocorrência de violência doméstica ou briga de trânsito está cada vez mais exposto ao risco de que os envolvidos estejam em posse de arma de fogo, o que pode resultar no crescimento de policiais mortos.”

Mortes pela polícia: queda em ano violento

Um número que chama a atenção no levantamento é o que diz respeito às pessoas mortas por policiais. Ele contrasta com o aumento da violência registrada em todo o país no ano passado. Dados do Monitor da Violência apontam que os assassinatos cresceram 5% de janeiro a dezembro.

Esses dados, publicados pelo G1 em fevereiro, incluem os chamados Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), que são os homicídios dolosos (em que há intenção de matar), os latrocínios (roubos seguidos de morte) e as lesões corporais seguidas de morte. Não havia, porém, os casos de policiais mortos e o de pessoas mortas pela polícia, divulgados agora.

Houve 5.660 pessoas mortas pela polícia em 2020, ante 5.829 em 2019, uma queda de 3%.

Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de SP analisados pelo pesquisador Tauã Magalhães, doutorando em economia na Universidade Federal de Juiz de Fora, Cidade Tiradentes é um dos bairros mais letais na capital quanto a mortes pela polícia.

O Rio de Janeiro teve a maior queda no número absoluto de mortes por intervenção policial. Houve 1.239 vítimas em 2020, ante 1.814 em 2019 – quase 600 a menos. A redução em termos percentuais também é uma das três mais altas do país: -32%.

Uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender operações durante a pandemia da Covid-19 foi crucial para isso.

Os dados mostram que a queda no registro de vítimas coincide exatamente com a decisão do STF, no dia 5 de junho.

Naquele mês, houve uma redução de 78% em relação ao mesmo mês do ano anterior. As mortes por intervenção caíram de 153, em junho de 2019, para 34, em junho de 2020.

O patamar se manteve baixo até outubro, quando as mortes voltaram ao mesmo nível do ano anterior. Mas o número voltou a cair em novembro e dezembro.

“Há um discurso bastante generalizado entre as polícias de que as operações são inevitáveis para controle do crime. Enquanto isso, a gente observa que as operações caíram, as mortes em geral caíram e os indicadores criminais não subiram. A gente começa a perceber que a preservação da vida não se opõe ao controle do crime”, afirma o professor de sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), Daniel Hirata.

Amapá: a polícia que mais mata

Já o Amapá teve, mais uma vez, a maior taxa de letalidade policial no país: 12,8 a cada 100 mil. Ao todo, 110 pessoas foram mortas pelas forças policiais. É a terceira vez nos últimos cinco anos que o estado encabeça a lista.

A Anistia Internacional, que acompanha a situação da segurança pública no Amapá desde o apagão em 2020, diz ter identificado um alto grau de brutalidade da polícia contra os que protestam contra a negligência do estado. Segundo Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia, os episódios de maior violência e de assassinatos por agentes do estado ocorrem principalmente nas favelas, nas periferias e nos quilombos.

Relatos recebidos pela Anistia foram compartilhados em audiência pública realizada pela Defensoria Pública do Amapá em dezembro de 2020, que teve a participação de ativistas e da sociedade civil organizada no estado.

“É uma população que tenta reagir desassistida. Existem ativistas que experimentaram, pessoalmente, a perseguição e a brutalidade denunciando isso, porque o Ministério Público, a Defensoria Pública e o próprio governo do estado não estão colocando à disposição da população os mecanismos necessários para que eles reivindiquem seus direitos e façam as denúncias de forma segura”, critica Jurema.

A PM do Amapá se defende e afirma que tem “trabalhado diariamente para garantir a segurança da população” e que os casos de letalidade só ocorrem “quando infratores atentam contra a vida de policiais ou terceiros”.

“Todos os criminosos que confrontaram as equipes da Polícia Militar estavam em posse de arma de fogo, tinham envolvimento com outras ocorrências graves e pertenciam a organizações criminosas que atuam no comércio ilegal de entorpecentes no estado”, diz a corporação.

Transparência

O levantamento do G1 durou mais de dois meses para ser concluído. Os dados foram solicitados via Lei de Acesso à Informação (sob a mesma metodologia utilizada nos anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e também foram pedidos às assessorias de imprensa das secretarias da Segurança e das corporações, quando necessário.

O resultado: demora nas informações, dados desencontrados e números incompletos, assim como nos outros anos. Além disso, ainda há ausência de padronização. Foi preciso confirmar os números mais de uma vez para garantir a qualidade das informações.

Apenas um estado não informou nenhum dado sequer: Goiás. Já é a quinta vez que o governo se recusou a divulgar informações públicas para um levantamento nacional do Monitor da Violência (em quatro destas vezes, o pedido foi referente à letalidade e à vitimização policial).

Policiais mortos em 2020

Em serviço Fora de serviço Total
Acre 0 0 0
Alagoas 0 2 2
Amapá 0 1 1
Amazonas 2 4 6
Bahia 1 10 11
Ceará 2 2 4
Distrito Federal 0 1 1
Espírito Santo 0 1 1
Goiás 0 0 0
Maranhão 1 4 5
Mato Grosso 0 1 1
Mato Grosso do Sul 4 1 5
Minas Gerais 7 6 13
Pará 1 12 13
Paraíba 0 3 3
Paraná 0 0 0
Pernambuco 0 14 14
Piauí 0 7 7
Rio de Janeiro 14 30 44
Rio Grande do Norte 0 3 3
Rio Grande do Sul 0 0 0
Rondônia 0 4 4
Roraima 0 1 1
Santa Catarina 2 5 7
São Paulo 22 27 49
Sergipe 2 1 3
Tocantins 0 0 0
Total 58 140 198

Pessoas mortas por policiais em 2020

Em serviço De folga Total
Acre 19 7 26
Alagoas 95 0 95
Amapá 108 2 110
Amazonas 94 3 97
Bahia 1.137 0 1.137
Ceará 122 21 143
Distrito Federal 8 3 11
Espírito Santo 40 7 47
Goiás 0 0 0
Maranhão 40 1 41
Mato Grosso 105 10 115
Mato Grosso do Sul 16 4 20
Minas Gerais 118 3 121
Pará 474 4 478
Paraíba 36 4 40
Paraná 361 12 373
Pernambuco 115 0 115
Piauí 26 7 33
Rio de Janeiro 1.239 0 1.239
Rio Grande do Norte 145 0 145
Rio Grande do Sul 108 11 119
Rondônia 7 13 20
Roraima 12 3 15
Santa Catarina 84 2 86
São Paulo 680 134 814
Sergipe 196 0 196
Tocantins 23 1 24
Total 5.408 252 5.660
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